sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Carta perdida


Carta perdida

Prof ª. Valéria Bianchin Martin
Corria para o ponto de ônibus, atrasada como sempre para pegá-lo. Mil vezes já imaginara escrever um manifesto à Empresa de Transportes Urbanos, solicitando um novo horário. Os dez minutos entre o sinal da saída e o horário do circular não eram suficientes.
Quase no ponto, ouço um chamado:

- Professora, não me conhece mais?

A meu lado está Gabriel, um ex-aluno do ano anterior. Apesar do nome angelical era um daqueles alunos que despertam em nós os sentimentos mais antagônicos em um único dia de aula. Da raiva quase incontrolável passa-se ao carinho; da comoção vai-se diretamente a um desejo enorme de que se mude com a família e saia da escola. O único sentimento que não se sente é a indiferença. Impossível sentir-se indiferente à sua presença, tão irrequieta e singular.

Ao vê-lo, tive dúvidas quanto a parar ou continuar correndo até o ponto de ônibus. Mas seus olhos demonstraram tanto carinho, quase me pedindo para ficar e conversar... Minha escolha enfim foi parar e ouvir o que Gabriel tinha a dizer. Confesso que com certa impaciência vi o ônibus passar. Agora seriam mais ou menos uns quarenta minutos de espera, imaginando que nossa conversa não passaria das breves perguntas e enxutas respostas.

Para minha surpresa, o tom cordial do menino anunciava um longo diálogo, talvez até uma confissão. Falou-me do seu cotidiano, pediu-me conselhos e finalmente premiou-me com uma tenra declaração de amizade. Já íamos nos despedindo quando perguntou:

- Professora, quando leu a carta, você gostou dela?

Hesitei por um instante. Não me lembrava de nenhuma carta. Com sua percepção infantil, notou meu esquecimento e completou:

- Aquela carta que te dei quando saí da escola?

Constrangida, agradeci a tal carta e disse que havia gostado.
Despedimo-nos, pois o ônibus estava próximo.

Durante a viagem toda procurei me lembrar onde havia guardado a carta. Era provável que a tivesse jogado fora junto com outros papéis sem utilidade.

No dia seguinte, na escola, procurei exaustivamente a carta, motivada pela lembrança do olhar do menino. Revirado todo o armário, encontrei-a. Estava lá. No envelope, um enorme coração; dentro, os nossos nomes.

Comecei a ler:

"Querida professora eu gosto muito da senhora. Essa carta que eu te escrevo é para pedir desculpa. Me desculpa quando eu não obedeci o que você falava. Me desculpa quando eu não parava de falar na aula e quando eu saía para ir no banheiro sem falar nada para você. Eu já sei que vou mudar de escola e não vou mais ter essa professora legal que você é. Sabe quando você falava brava eu ia embora chateado e porisso é que depois eu te dava um bombom. Eu sei que você gostava dava risada. Acho que nunca mais vou ter uma professora tão boa como você e vou sentir saudade. Você é D MAIS. Um beijo com muito amor do Gabriel".

Ao terminar de ler, me arrependi pela indiferença a essa linda declaração de carinho. Muitas vezes, o corre-corre do cotidiano nos impede de sermos mais humanos, de valorizar gestos que nos fazem perceber que amamos e somos amados. Gestos que dão mais cor a nossas vidas.


EEPG "Profª Alice Sulli Nonato" - Valinhos

Para mais informações clique em AJUDA no menu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado.