O mundo mudou. Os currículos ficaram obsoletos. Quais habilidades os alunos devem desenvolver para enfrentar os novos tempos
Ana Aranha Com Paloma Cotes e Beatriz Monteiro
Imagine que um cidadão tivesse dormido um século e acordasse agora. O mundo seria uma grande surpresa para ele. Aviões. Celulares. Arranha-céus. Ao entrar numa casa, ele não conseguiria entender o que é uma televisão. Ou um computador. Poderia se maravilhar com uma barra de chocolate. Escandalizar-se com os biquínis das moças. Perder-se num shopping center. Mas, quando ele deparasse com uma escola, finalmente teria uma sensação de tranqüilidade. "Ah, isso eu conheço!", pensaria, ao ver um professor com um giz na mão à frente de vários alunos de cadernos abertos. "É igualzinho à escola que eu freqüentei."
Essa parábola é quase tão velha quanto o personagem que dormiu cem anos. É contada em inúmeras palestras e cursos de reciclagem de professores. Ilustra como a escola se mantém fossilizada, num mundo que não pára de mudar. A escola como a conhecemos hoje é fruto de uma sociedade forjada no século XVIII, quando a Revolução Industrial e o fortalecimento dos Estados modernos criaram a necessidade de formar cidadãos qualificados para um novo mercado de trabalho. A Revolução Francesa e a independência americana também inspiraram um ideal igualitário, que disseminou a idéia da educação como um direito de todos. Era uma ruptura em relação à escola antiga, voltada para a formação de uma elite - fosse a casta religiosa da Idade Média, os burocratas a serviço dos reis ou os aristocratas da Grécia clássica. Com a inclusão das massas na escola, foi preciso criar mecanismos de homogeneização. Vieram daí a divisão dos alunos em séries, a especialização dos professores em disciplinas e a sistematização de um ensino básico a ser transmitido para todos.
"Há setores que pedem pessoas capazes de transitar entre áreas profissionais. Esses trabalhadores precisam da capacidade de aprender sozinhos" Jaime Cordeiro, ESPECIALISTA EM DIDÁTICA DA USP |
Essa escola, tão bem organizada ao longo de mais de dois séculos, já não responde às necessidades do mundo. A Revolução Industrial foi ultrapassada pela era da informação. A maior parte do trabalho para o qual a escola nos preparava é hoje feita por máquinas. Na década de 70, eram necessários 108 homens, durante cinco dias, para descarregar um navio no porto de Londres. Hoje, com os contêineres e os guindastes modernos, esse trabalho é feito por oito homens, em um dia. Na década de 80, a indústria automobilística brasileira empregava 140 mil operários para produzir 1,5 milhão de carros por ano. Hoje, pode produzir o dobro, com apenas 90 mil empregados. Há uma década, a força de trabalho era chamada de mão-de-obra. Na virada do século, essa expressão já tinha caído em desuso. Não é mais a mão, e sim a cabeça dos funcionários que interessa. Por isso, o trabalhador não pode ser mais aquele que entende as ordens e consegue cumpri-las. Tem de ser alguém que saiba refletir sobre o processo produtivo. E que esteja preparado para mudanças. Isso é ainda mais verdadeiro para os empreendedores. Com a diminuição de oportunidades nas grandes empresas, as escolas têm de formar gente que saiba inventar o próprio negócio.
A falta de estabilidade do mundo moderno tem outra implicação: o ensino não pode mais ser um conjunto de conhecimentos que serve para a vida inteira. As pessoas vão precisar de algo diferente: habilidade de adquirir conhecimentos novos o tempo todo. Aprender a aprender. "Há setores que pedem pessoas capazes de transitar mais entre áreas profissionais. Esses trabalhadores precisam da capacidade de aprender sozinhos", afirma Jaime Cordeiro, especialista em didática da Universidade de São Paulo (USP).
Nossa vida como consumidores também mudou. Um supermercado tem, hoje, cerca de 30 mil itens. Milhares de produtos - nos Estados Unidos, 20 mil - são lançados por ano, quase todos destinados ao fracasso. A internet já tem mais de 100 milhões de sites. Vivemos afogados em informações. A escola ensina a degluti-las. Se nossos filhos seguirem esses ensinamentos, vão se empanturrar de mensagens repetitivas, inócuas, contraditórias. Ela tem de ensinar a filtrá-las e encontrar o que interessa. Ensinar a escolher.
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