sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Trincheiras de bom ensino

Vizinho à guerra travada entre facções de traficantes, o colégio municipal Paula Fonseca, no Rio de Janeiro, impõe a seus 500 alunos dificuldades típicas de escolas brasileiras encravadas em regiões pobres e violentas. Muitas vezes, as crianças dali, com idade entre 6 e 12 anos, precisam driblar corpos estendidos no meio da rua para chegar à sala de aula e têm lições ao som de tiroteio. O cenário é a favela Jorge Turco, na Zona Norte da cidade, região que produz alguns dos piores índices de homicídio do estado. Em um ambiente tão adverso como esse, é de espantar que os estudantes apresentem alto desempenho acadêmico. O colégio Paula Fonseca figura no seleto grupo composto daqueles 2% de escolas públicas brasileiras que obtiveram as melhores notas no último Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), avaliação do Ministério da Educação - a média nacional é 4,6. No ranking, há ainda outra escola em situação semelhante, a Pablo Neruda, também da rede municipal carioca, esta encravada num grotão dominado por milícias (bandos de policiais e ex-policiais que atuam na ilegalidade em favelas do Rio). Com 72 anos de idade e há 26 no cargo de diretora do Paula Fonseca, Celia Tavares diz: “Além de ensinar, nosso trabalho aqui inclui transmitir valores básicos a crianças vindas da extrema miséria e de lares desestruturados”.

A fórmula exemplar dessas duas escolas que saltaram de um universo de tanta precariedade à elite do ensino público é tão básica quanto rara no Brasil. Sem nenhum luxo na infraestrutura, ambas contam com diretoras que, de tão comprometidas, chegam a fincar no pátio sua mesa de trabalho com o objetivo de conhecer os alunos e aproximar-se deles. Elas são capazes de manter uma equipe de professores fiel ao propósito de elevar as chances dos estudantes e, quando necessário, têm conseguido livrar-se dos menos eficazes - sem dar espaço à habitual condescendência. “Num lugar como este não há tempo a perder com incompetência”, enfatiza Maria Joselza, há 23 anos no comando do colégio Pablo Neruda, na Zona oeste carioca. A experiência das duas escolas reforça aquilo que os especialistas já aferiram: um diretor envolvido na rotina escolar é decisivo para o desempenho dos estudantes. “As melhores escolas do mundo são lideradas por gente hábil na tarefa de criar um ambiente estimulante para o aprendizado”, resume o economista Claudio de Moura Castro, articulista de VEJA.

Um dos mais abrangentes estudos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), conduzido em setenta países, incluindo o Brasil, deixa claro que forjar um clima favorável ao ensino é um dos principais fatores para elevar a qualidade acadêmica. O conceito pode parecer etéreo, mas se traduz perfeitamente na realidade de colégios situados em zonas tomadas pela bandidagem. Alcançar “um bom clima”, nesses casos, significa antes de tudo aproximar pais e moradores da vida escolar. É o que se vê nas duas escolas alçadas ao topo do ranking do MEC. No colégio Paula Fonseca, a própria diretora se encarrega de visitar os pais para tirar dúvidas e falar sobre as constantes dificuldades de aprendizado enfrentadas pelas crianças. Mais do que isso, ela tenta impedir que seus alunos enveredem pelo crime. Muitos vêm de famílias ligadas ao tráfico de drogas e, não raro, até já ingressaram na marginalidade. Conta Celia: “Tento explicar às mães e às crianças que elas podem ter um futuro longe do crime, e isso inclui dedicação aos estudos”. Para sua frustração, ela nem sempre tem sucesso.

Fornecer assistência extra a escolas em locais assolados por maus indicadores socioeconômicos faz parte do arcabouço de políticas educacionais que, já está provado, contribuem decisivamente para a excelência. O Chile é um caso exemplar de país que conseguiu aproximar o nível dos alunos pobres ao dos mais ricos na última década. Ali, o governo canaliza recursos, material de reforço e até consultoria pedagógica dada pela iniciativa privada a colégios considerados vulneráveis, segundo um indicador objetivo. Tudo condicionado a metas e avanços concretos. Um programa que abrange 15% das 1 064 escolas municipais do Rio norteia-se por preocupação parecida. A crianças de colégios localizados em áreas à margem do poder público são oferecidas atividades extras que as mantêm por mais tempo debruçadas sobre os estudos. Não há dúvida de que isso ajuda. Orgulhosa das notas obtidas à custa de muito esforço no exame oficial, Maria Joselza do colégio Pablo Neruda, afirma: “Nem mesmo o pior dos ambientes é desculpa para não buscar - e atingir - um elevado padrão na sala de aula”.

Autor: Roberta de Abreu Lima
Email do Autor: n.d.

Fonte: Revista Veja

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