Preconizou-se,  dias atrás,  "um dia sem imposto". Pagar imposto não é algo que dê prazer. Especialmente quando assistimos a recorrentes escândalos políticos envolvendo apropriação e desvio de dinheiro público. Quando falham as instituições de controle,  então,  como anotou Zero Hora em recente editorial,  a indignação se avoluma. E o ápice do desgosto parece estar na constatação de que não percebemos o retorno prestacional para a parcela que aportamos em impostos. Sobre  isso,  é preciso esclarecer algo: nós,  assinantes de Zero Hora,  ocupantes de uma posição socioeconômica privilegiada,  jamais receberemos do Estado,  individualmente,  uma contraprestação na exata proporção do que pagamos. E isso é assim,  infelizmente,  porque deve ser. A Constituição de 1988 fixa como objetivos fundamentais da República a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais (art. 3º). A única maneira de cumpri-los em uma sociedade altamente estratificada a exemplo da nossa,  em que o Estado não produz riqueza,  é mediante a capilarização de um percentual dos recursos de quem a produz,  destinando-o ao financiamento de políticas sociais que aproveitam,  em especial,  às camadas socioeconômicas inferiores.
Diferentemente do que ocorre em um condomínio,  onde cada morador cumpre com sua cota e os serviços são coletivamente devolvidos na medida do orçamento ajustado (limpeza,  manutenção,  segurança),  no domínio social a situação é bastante diferente. Nem todos são pagadores. A maciça maioria não é. Isso significa que pagamos por outros e para outros. Essencialmente para aqueles que,  se não fosse a presença do Estado no financiamento e na gestão da saúde e da educação públicas,  por exemplo,  jamais teriam minimamente satisfeitas essas condições elementares de dignidade humana; à diferença de nós,  eles não têm a alternativa do setor privado...
Em termos de política social,  sempre se poderá fazer melhor. Muito melhor,  talvez. Seja como for,  enquanto persistir essa profunda desigualdade,  a fórmula da redistribuição implicará,  sempre,  que paguemos mais do que individualmente possamos almejar em troca.
Assim,  além de um dia sem imposto,  talvez pudéssemos também cogitar: que tal "um dia sem Estado"? Recentemente,  os Estados Unidos presenciaram esse dia,  quando da passagem do furacão que assolou New Orleans,  levando à total paralisia dos serviços estatais de socorro (bombeiros,  ambulâncias,  polícias). Resultado: além da potencialização da tragédia em si,  um aumento vertiginoso de roubos,  estupros e homicídios. No Brasil,  se esse "dia sem Estado" vingar,  pretendo não sair de casa. E por um exercício hipotético de solidariedade mesclada com egoísmo,  vou torcer para que esse dia não seja aquele no qual está agendada,  há meses,  pelo SUS,  a sessão de quimioterapia de minha empregada doméstica. Ela depende do sistema público de saúde (Estado). E eu dependo dela.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado.