domingo, 5 de junho de 2011

Ecocrítica - Leitura para a Semana do Meio Ambiente

Ecologia é uma palavra dúbia. Originalmente, designava um ramo da biologia - o estudo dos seres vivos em sua relação com o ambiente físico. O uso cotidiano, porém, consagrou uma acepção política. Sob o termo genérico "ecologia", abriga-se uma miríade de movimentos ambientalistas e conservacionistas, muitos dos quais abraçam teses que um biólogo sério descartaria como baboseira mística: a Terra como mãe protetora, rios e florestas como entidades possuidoras de "alma" etc. Apesar dessa imprecisão semântica, a ecologia pretende ter algo a dizer sobre a arte das palavras.  


Sim, já existe uma crítica literária de base ecológica - uma ecocrítica. Há até uma Associação para o Estudo da Literatura e do Ambiente (Asle, na sigla em inglês), fundada em 1992 nos Estados Unidos, país em que esse é um campo acadêmico florescente (embora ainda não tão disseminado quanto, por exemplo, a crítica feminista). "A missão da ecocrítica é demonstrar a interdependência, nem sempre óbvia, entre a imaginação humana, em todas as suas formas, e o ambiente", diz Lawrence Buell, da Universidade de Harvard, autor de estudos seminais sobre a obra do ensaísta americano Henry David Thoreau e um dos papas da matéria. Recentemente lançado no Brasil, "Ecocrítica", do inglês Greg Garrard, professor da Universidade Bath Spa, é uma competente introdução a essa nova vertente crítica. O livro não apenas examina a literatura à luz da ecologia. Garrard também demonstra que algumas idéias caras ao movimento, como a "harmonia" da natureza, são metáforas de realidade duvidosa.

"Ecocrítica" lista algumas das imagens literárias recorrentes na descrição da natureza, tanto em obras literárias quanto nos textos básicos do ambientalismo. Um bom exemplo é"Silent Spring", de Rachel Carson, livro que alertava, em 1962, para os perigos de pesticidas como o DDT. A obra começa com uma descrição idílica do meio rural americano, um campo acolhedor e ameno - o que remete à tradição pastoral, forma literária inaugurada pelo poeta grego Teócrito (300-260 a.C.). A ameaça dos inseticidas viria instaurar a devastação ambiental - uma profecia (não confirmada, embora o alerta tenha sido importante para substituir o DDT por substâncias menos nocivas) de envenenamento geral do planeta que reverbera os tons catastróficos do Apocalipse, livro final da Bíblia.

Uma terceira imagem também é comumente associada à natureza: a de mundo selvagem, o limite da civilização em que o homem se perde. O terror de florestas escuras e mares bravios, porém, é visto com simpatia por algumas vertentes radicais do ecologismo, que defendem o ideal misantrópico de uma natureza intocada pelo homem moderno. A idéia de que essa seria uma paisagem harmônica, equilibrada e estável é uma ilusão recorrente. Daí surge também o mito do "índio ecológico" - o nativo americano que, ao contrário do europeu espoliador, teria uma relação fraterna com os animais que caça. A atividade dos índios de fato foi menos devastadora que a do colonizador. O mais provável, porém, éque tenha sido assim pelas limitações demográficas e tecnológicas dos índios, que viviam em tribos esparsas e não contavam com armas de fogo. O suposto respeito que eles teriam pela alma dos animais nunca salvou nenhum bisão de virar churrasco.

Como toda forma de crítica literária que parte de um programa político, a "Ecocrítica" pode degenerar em vigilância ideológica burra, do tipo que condena a caça à baleia em "Moby Dick", de Herman Melville. "Não se podem exigir posturas ambientalistas de obras do passado. É um anacronismo imperdoável", adverte Garrard. Exercida com sutileza, porém, essa é uma abordagem nova para um dilema ancestral - a relação (ou o choque) entre cultura e natureza. E é, sobretudo, um sopro revigorante em departamentos de letras dominados pelo pós-modernismo, pós-estruturalismo e desconstrucionismo - essas escolas de origem francesa que se enredavam no exame do "discurso", a ponto de obliterar qualquer realidade externa às palavras. A ecocrítica trata de problemas palpáveis. Tigre, baleia e floresta são palavras, mas também são coisas - e a ecologia luta para que continue sendo assim.

Um comentário:

  1. Muito bom o texto. A Dra. Zélia Bora (UFPB) está à frente com cursos como "Ecocrítica" e "Ecocrítica e Literatura no ensino médio" aqui na Paraíba. Parabéns!

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Obrigado.