sábado, 3 de dezembro de 2011

Saúde e Escola


Saúde e doença são temas tradicionais do ensino formal. Na prática, o professor assume o papel de educador em saúde ao desenvolver com seus alunos o conteúdo curricular ou ao atender às situações concretas do cotidiano escolar: projetos, campanhas, ocorrência de casos de doença, epidemias, necessidades emergentes dos alunos e da coletividade em que a escola está inserida. Contudo, a importância da formação escolar vai muito além das respostas aos problemas concretos e até mesmo das atividades organizadas em torno do tema.


As contribuições da escola para a saúde são essenciais e múltiplas: participa decisivamente na formação cultural, está na base da preparação para o mundo do trabalho, traz conhecimentos específicos que cada uma das disciplinas aborda em relação à saúde e constitui-se em espaço privilegiado das vivências da infância e da adolescência (Martinez, 1996).

Sabemos que a educação escolar possibilita-nos abrir os horizontes da valorização e da qualidade de vida, contribuindo para o desenvolvimento da criatividade e a ampliação da autonomia. A escola pode incentivar a riqueza de interesses e ampliar a flexibilidade para encontrar alternativas nas situações de tensão e conflito, enriquecendo decisivamente a elaboração de projetos pessoais nos quais o sujeito possa apoiar-se para enfrentar a vida.

Na realidade, todos os professores estão fazendo opções em relação à saúde, assim como em relação às demais questões sociais, ao selecionarem conteúdos e veicularem conceitos e valores em suas aulas, ao elegerem critérios de avaliação, bem como pela metodologia de trabalho que adotam e pelas situações didáticas que propõem aos alunos.

Isso ocorre porque o processo de ensino e aprendizagem envolve uma determinada concepção do mundo e da forma como vivemos nele. Quando nos conscientizamos desse fato, damos um passo decisivo no sentido de optar claramente sobre o que ensinar e para que educar. Essa importante reflexão vem à tona no momento em que definimos os chamados temas transversais do currículo: as questões que, por sua urgência e relevância social, são consideradas significativas na vivência escolar e devem permear a abordagem do conteúdo de todas as áreas do conhecimento.

A proposta metodológica de tratar a saúde de maneira transversal é um recurso para organizar o trabalho didático, de forma a incorporar os objetivos e conteúdos do tema ao conjunto da ação pedagógica. Podemos considerar que o estudo da qualidade de vida dos povos e a distribuição de doenças no tempo e no espaço são conteúdos presentes nas aulas de História e Geografia. Da mesma maneira, os textos utilizados no aprendizado de línguas e os problemas formulados nas aulas de Matemática trazem mensagens sobre as relações humanas, e, portanto, refletir sobre elas é um dos caminhos para realizar a transversalidade. Observa-se, ainda, que a participação de alunos que não sejam habilidosos esportistas nas aulas de Educação Física e a promoção de seu convívio ativo no grupo, e não apenas como espectadores dos “melhores”, produzem impacto muito maior sobre a saúde do que as longas palestras sobre a importância da prática regular de atividades físicas.

Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1998), a cidadania é considerada o eixo da educação escolar, o que implica eleger determinados princípios que orientam a vida em sociedade e agir para a afirmação destes. No contexto dos princípios democráticos — dignidade da pessoa humana, igualdade de direitos, participação e co-responsabilidade pela vida social —, a educação cidadã concorre para a compreensão da saúde como direito. Mais do que isso, promove o exercício desse direito através da capacitação para agir, individual e coletivamente, sobre os fatores que condicionam a saúde: o cuidado de si e dos demais, a oferta e o uso dos serviços de saúde, as condições socioculturais e econômicas que determinam a qualidade de vida.

Enfim, a educação para a saúde ganha novo sentido para a escola e para a vida quando assumimos que não somos entidades biológicas, mas culturais e sociais.

Da mesma forma que, ao longo do tempo, a visão do processo de ensino–aprendizagem transformou-se, modificaram-se também as concepções de saúde e de promoção da saúde. Valorizamos cada vez mais os laços entre saúde e qualidade de vida individual e coletiva. Ao educar para a saúde, nosso objetivo não é mais a ênfase no conhecimento teórico do corpo humano, pois essa opção não se mostrou suficiente para fomentar a adoção de comportamentos e atitudes saudáveis. O foco desloca-se para a promoção do desejo, do empenho e da capacidade para cuidar de um corpo real.

No que tange à vida reprodutiva, por exemplo, nossa expectativa não é ter alunos capazes de discorrer sobre métodos anticoncepcionais, mas, sim, procurar oferecer-lhes elementos para que possam, se quiserem, optar por sua utilização para ter os filhos desejados, no momento desejado. Da mesma forma, com relação à Aids, não é suficiente saber as formas de transmissão do vírus — o HIV. O conteúdo essencial da educação está no conhecimento e na valorização do uso de medidas eficazes para prevenir a transmissão do vírus, no empenho em cuidar de si e dos demais.

Sabemos que a real importância dos temas transversais está na sua contextualização, pois o significado que tais temas têm no dia-a-dia possibilita a participação ativa dos educandos no processo de aprendizagem, potencializando a aplicação da experiência escolar às demais situações da vida.

Em nenhum momento cogitou-se a hipótese de que a escola colocasse em segundo plano sua tarefa específica de educação para abordar as questões de saúde, por mais relevantes que estas sejam, visto que seria incoerente com a proposta de tratar a saúde como tema transversal. Sendo uma questão que permeia o conjunto da experiência escolar, a educação para a saúde realiza-se com o auxílio das mais diferentes áreas do conhecimento, através dos seus conceitos e informações e, principalmente, através dos valores veiculados no processo de ensino e aprendizagem. Uma abordagem isolada do tema seria incoerente até mesmo com a maneira como compreendemos o processo saúde–doença.

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